A radiomensagem de João Paulo I

Com esta fé, prosseguiremos. A ajuda de Deus não nos faltará, segundo a promessa indefectível: Eu estarei sempre convosco todos os dias, até ao fim do mundo (Mt., 28, 20). A vossa correspondência unânime e a solícita colaboração de todos aliviarão o peso do nosso múnus quotidiano. Iniciamos esta tremenda missão, com a consciência do carácter insubstituível da Igreja Católica, cuja imensa força espiritual é garantia de paz e ordem, e, como tal, está presente no mundo, sendo como tal reconhecida. O eco que a sua vida produz no mundo todos os dias é testemunho de que, apesar de tudo, ela está viva no coração dos homens, mesmo daqueles que não partilham a sua verdade e não aceitam a sua mensagem. Como disse o Concílio Vaticano II, “destinada a estender-se a todas as regiões, a Igreja entra na história dos homens, ao mesmo tempo que transcende os tempos e as fronteiras dos povos. Caminhando através de tribulações, a Igreja é confortada pela força da graça de Deus, que lhe foi prometida pelo Senhor, a fim de que, por causa da fraqueza da carne, não se afaste da perfeita fidelidade, mas permaneça esposa digna do seu Senhor e não cesse de renovar-se sob a luz do Espírito Santo, até que, por meio da Cruz, chegue à luz que não conhece ocaso” (Lumen Gentium, 9). Segundo o plano de Deus, que “convocou todos aqueles que olham com fé para Jesus, autor da salvação e princípio de unidade e de paz”, a Igreja foi constituída por Ele, “a fim de ser para todos e para cada um o sacramento visível desta unidade salvífica” (Ibid).

A esta luz, pomo-nos inteiramente, com todas as energias físicas e espirituais, ao serviço da missão universal da Igreja, que o mesmo é dizer, ao serviço do mundo, isto é, ao serviço da verdade, da justiça, da paz, da concórdia, da cooperação no interior das nações e entre os povos. Exortamos, antes de tudo, os filhos da Igreja a tomarem consciência sempre mais clara da sua responsabilidade: Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo (Mt., 5, 13 ss). Superando as tensões internas, que aqui e além se puderam criar, vencendo as tentações de identificação com os gostos e costumes do mundo, e bem assim as atracções de um fácil aplauso, unidos no único vínculo do amor que deve informar a vida íntima da Igreja como também as formas externas da sua disciplina, os fiéis devem estar prontos a dar testemunho da própria fé diante do mundo: Sempre prontos a responder, para vossa defesa, a todo aquele que vos pergunte a razão da vossa esperança (1 Ped., 3, 15).

A Igreja, neste esforço comum de responsabilização e de resposta aos problemas lancinantes do momento, é chamada a dar ao mundo aquele “suplemento de alma” que de tantos lados se invoca como coisa única que pode assegurar a salvação. Isto espera hoje o mundo, que conhece bem a sublime perfeição alcançada com as investigações e com a técnica, atingindo um cume, além do qual só há a vertigem do abismo: a tentação de substituir-se a Deus com a decisão autónoma que prescinde das leis morais e leva o homem moderno ao risco de reduzir a terra a um deserto, a pessoa a um autómato, a convivência humana a uma colectivização planificada, introduzindo não raro a morte lá onde Deus quer a vida.

A Igreja, cheia de admiração e amorosamente inclinada para as conquistas humanas, pretende, por outro lado, salvaguardar o mundo sedento de vida e de amor — das ameaças que lhe estão sobranceiras; o Evangelho chama todos os seus filhos a porem as próprias forças, e a própria vida, ao serviço dos irmãos, em nome da caridade de Cristo: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo., 15, 13). Neste momento solene, queremos consagrar tudo o que somos e aquilo que podemos a este fim supremo, até ao último suspiro, consciente da missão que Cristo nos confiou: Confirma os teus irmãos (Lc., 22, 32).

No cumprimento da nossa árdua tarefa, ajuda-nos a suavíssima recordação dos nossos Predecessores, cuja amável benignidade e intrépida força nos servirá de exemplo no ministério pontifício: de modo particular, recordamos as grandíssimas lições de governo pastoral deixadas pelos Papas mais próximos no tempo, como Pio XI, Pio XII, João XXIII, que, com a sua sabedoria, dedicação, bondade e amor à Igreja e ao mundo, marcaram uma presença indelével no nosso tempo atormentado e magnífico. Mas é sobretudo para o saudoso Pontífice Paulo VI, nosso imediato Predecessor, que vai o sentimento comovido do Nosso afecto e da Nossa veneração. A sua morte rápida, que deixou o mundo atónito como os gestos proféticos de que constelou o seu inesquecível pontificado, pôs na devida luz a estatura extraordinária daquele grande e humilde homem, ao qual a Igreja deve a irradiação, que, apesar das contradições e hostilidades, conseguiu nestes últimos quinze anos, corno também a obra desmedida, infatigável e sem paragens, por Ele realizada em aplicar o Concílio e em garantir a paz ao mundo — a tranquilidade na ordem.

A primeira radiomensagem do Papa João Paulo I.

Imagem: Autumn Goodman on Unsplash