O trabalho é uma benção de Deus que o capitalismo transforma em maldição

«O trabalho é uma realidade humana de fundamental valor. Expressa a condição histórica do ser humano enquanto criador de cultura. Pensar o ser humano implica reconhecê-lo na sua condi ção de quem interfere na natureza transformando-a em cultura. A teologia da criação sem querer se tornar uma teologia do trabalho indica que o ser humano recebe de Deus as obras criadas e é chamado a unir-se à ação criadora divina mediante o trabalho. Antes de o pecado macular o sentido original do trabalho, o Criador já dera ao homem as ordens de cuidado do Jardim (Gn 2,15). A administração do mundo confiada ao ser humano é uma indicação desse desejo divino de que aquele que foi criado à sua imagem e semelhança expresse uma dimensão dessa imagem pela continuidade da própria obra criadora. Ainda assim, afirma-se que “o trabalho é um valor da vida humana, mas não é o único nem o supremo valor. O ser humano é chamado a trabalhar porque é criado à imagem do Deus criador, mas o trabalho não esgota o significado da vida humana nem o sentido da história da humanidade.”

A referência ao descanso do Criador – “Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nele descansou depois de toda a obra da criação” (Gn 2,3) – sinaliza a limitação do próprio trabalho, ou seja, aponta o sentido do trabalho para além de si mesmo, como outrora afirmado. Parece indicar que o ser humano, que pode muito pelo trabalho, não pode tudo. O descanso mostra-nos como as forças humanas são finitas e como o trabalho tem seus limites. No mundo contemporâneo, organizado ao redor do trabalho, a expressão dopecado se manifesta pelas variadas formas de escravidão, trabalho forçado, desemprego, subemprego, salários insuficientes e defasados. É de suma importância garantir para o ser humano – homem e mulher – a experiência do trabalho como co-criação. Assim, como co-criador, o ser humano tem mais chances de tocar o sentido da transcendência do próprio trabalho e este haveria de ser expressão de cuidado pela vida.

As necessidades fundamentais do ser humano como alimentação, vestuário, moradia não deveriam ser os primeiros frutos do trabalho? Toda atividade no horizonte do trabalho deveria nos comprometer mais com a defesa da vida e lembrar-nos que “os direitos dos trabalhadores, como todos os demais direitos, se baseiam na natureza da pessoa humana e na sua dignidade transcendente”.»

João Justino de Medeiros Silva. Indicações para uma espiritualidade do cuidado à luz da teologia da criação.

Imagem original: Bruno Nascimento on Unsplash